Ilustração de Sandra Serra para o livro sobre os direitos da criança "Os Direitos Vão à Escola"
A palavra Paz também significa proteção.
Ilustração de Sandra Serra para o livro sobre os direitos da criança "Os Direitos Vão à Escola"
A palavra Paz também significa proteção.
Ilustração de Sandra Serra para o livro "A bola e o pássaro"
A Amizade
Tem olhos, mãos e braços.
Vê-te como tu és.
Dá-te a mão para não te deixar cair.
Conforta-te e encoraja-te com um abraço.
A amizade,
Não permite que te sintas só.
Diz-te as palavras que precisas de ouvir,
Mesmo quando tocam as feridas que te doem.
A amizade,
É brincar, sonhar, voar.
É teres um segredo que lhe podes confiar,
É teres um sorriso para dar,
É também poderes chorar,
Porque ela te secará as lágrimas.
A amizade,
Toca o teu coração.
Tem cor, luz e movimento.
Ilumina-te e aquece-te.
É uma voz que ouves quando o silêncio impera.
E também te acompanha apesar da distância.
Se te zangares,
Mergulha nas águas frias dos lagos,
Corre desenfreado pelos campos,
Percorre as ruas que acharás desertas.
Regressarás, então, ao aconchego da amizade.
Ela nunca te abandonará. E tu retribuirás sempre.
Pois, se não o fizeres, não será amizade.
A amizade,
É divertida e não é invisível.
Tem rosto e tem nome.
A sua casa é um farol,
Que te guia na viagem.
Celeste de Almeida Gonçalves
O meu novo livro, finalmente chegou.
Novo Iivro destinado à literatura inclusiva através da Comunicação Aumentativa e Alternativa. Conta com o livro convencional e um outro livro com a versão com pictogramas.
Todos os garotos da minha idade
acalentavam o sonho de construir uma cabana. Munido de tábuas, martelo e
pregos, preciosos materiais encontrados aqui e ali, daquelas coisas que
pertencem à imaginação e querer dos miúdos, lá ia eu, durante os fins de semana
e nas férias, fazer a minha cabana. A sobreira, pobre árvore, consentia naquele
desafio e, diga-se de passagem, era suficientemente grande para suportar o peso
do meu engenho.
Foi numa dessas empreitadas que dei por
mim a ouvir um latido, muito sumido no início, para ganhar ânsias de raiva e
uma força tal, que me obrigou a procurar a sua origem.
Sobre uma laje de granito, emoldurada
pelo verde das ervas salpicadas por pequenas flores silvestres e rodeada por enormes
pedras, ali depositadas pelas máquinas das obras em construção, lá estava a
bolita de pêlo. Com a barriga a rojar o chão, inchada, quiçá pelo generoso alimento
da progenitora, aventurava-se, desprotegida, por um caminho que ela própria
teimava em descobrir. Era um cachorro lindo, de cor branca e castanho mel, que
mal abria os olhos. Pequeno no seu tamanho, não obstante, já se adivinhava neste
ser, a força da natureza. Fosse pela ousadia de se afastar da ninhada, fosse
pelo seu temperamento aventureiro, de procura e de afirmação num lugar onde os
outros cachorrinhos se escondiam, para não serem surpreendidos e encontrados, este
pequeno bicho era deveras cativante. Rapidamente se transformou num desafio,
talvez maior do que eu pudesse supor, pensava para comigo, perante a emoção que
tomara conta de mim.
Ali fiquei, por momentos, com o olhar preso
no animal e mil e uma recordações do querer insistente de um cão que nunca
tive, afloraram naqueles instantes. Não resistindo ao seu insistente chamamento,
hipnotizado por aquele inesperada presença, peguei nele e, antes que o destino me pregasse
uma partida, desatei em passo certo e determinado a caminhar em direção a casa.
Tenho a viva recordação da mãe a ver-me chegar, desta vez, já não criança, mas
um rapaz de catorze anos, com o cãozito ao colo. Que estava sozinho, em cima de
uma fria e inóspita pedra, coitadito, ia eu dizendo, estas e outras coisas,
enfim, palavras certeiras, procuradas para convencer, com o afinco de quem
defende uma causa. Entretanto, a mãe, olhava para o bebezito, enternecida e, o
meu irmão mais novo, apressava-se a afirmar que era nosso, que não podíamos
abandoná-lo. Seria uma ação condenável, não podia acontecer, repetia ele.
O drama começou.
- Podemos tentar dá-lo a alguém, ou
levá-lo para o canil da proteção dos animais. – dizia a mãe. – Talvez alguém
queira adotá-lo.
- Mãe! Ficamos com ele, por favor!
Percebe-se logo, que não será muito grande. Já é uma vantagem. Temos um jardim,
podemos ter um cãozinho. Por favor, mãe! - implorava
o meu irmão que, tal como eu, crescera com uma vontade infinita de ter um
animal de estimação, de preferência um cão.
Estava a fazer-se tarde e o tempo urgia.
Naquele dia, tínhamos aulas de música na cidade próxima, a alguns quilómetros
da vila onde vivíamos. Mas nós ali estávamos, com a bolita de pêlo a
arrastar-se pelo chão da cave da casa, um tanto perdida e provavelmente com
fome.
O meu silêncio era sempre acompanhado
por um certo espírito de observação. Perante todo este aparato, os meus olhos
estavam focados no animalzinho e confesso que as palavras já pouca importância
tinham. Observava também a minha mãe. Parecia ter um olhar cúmplice.
- Arranjem uma caixinha, e uns
trapinhos. Deixamos o cãozinho dentro da caixa e vamos embora. Quando
regressarmos, pensamos melhor no assunto. – disse ela, pondo fim àquele
impasse.
O meu coração adivinhou uma pequena
esperança. Esperança não era ainda, pois as deceções tinham sido muitas, mas
ainda assim, havia naquelas palavras, enfim, naquela decisão da mãe, qualquer
coisa que poderia tornar-se numa outra coisa. Não sei se me entendem.
- Quando o pai chegar vai ver o cão.
Como é que vai ser? – atrevi-me a adiantar, pensando já no episódio seguinte.
- Eu telefono-lhe a explicar o sucedido
e depois conversamos juntos. – justificou a mãe.
Fomos para o Conservatório. As aulas
voaram e eu só queria ir para casa, voltar a ver aquela esperança em figura de
cão, na realidade, um pequeno cachorrinho. Repentinamente, o dia tinha ganho uma
novidade, uma expectativa.
No regresso a casa, a mãe telefonou ao
pai.
- Já vi! Já vi! – respondeu ele. – Um
belo serviço, é o que é!
As frases do pai eram sempre curtas e
raramente deixavam dúvidas sobre os seus pensamentos ou intenções. Mas, quando
a mãe me repetiu a sua resposta, confesso que fiquei confuso. Parecia querer
dizer que estávamos com um problema e que teríamos de o solucionar de algum
modo. Seria? Tinha para mim a secreta esperança de que também ele ficasse
enfeitiçado pela bolita de pêlo. Quem sabe se a solução seria adotarmos a
bolita de pêlo?
Certo é que o meu pensamento estava
totalmente tomado pela existência daquele ser, imprevisto e quase improvável. Estaria
a sonhar?
O meu irmão, mais falador do que eu, afirmava
abertamente que o cachorrito seria nosso. Lá ia ele, no banco de trás, entretido
a imaginar nomes para o animal, sítios da casa em que poderia dormir, como é
que ia ser alimentado… Não se calava. Enquanto isso, eu pensava com os meus
botões “Será que é desta?”.
Celeste de Almeida Gonçalves
Pergunta a menina, sorrindo, ao senhor que passa:
- Olá, como vai o senhor?
O homem, já velho, tem o corpo cansado e o semblante carregado.
Enche-se de espanto perante o sorriso inocente da menina.
Com o tempo, esquecera-se de como é o sorriso de uma criança.
Esquecera-se da inocência e ainda mais da bondade.
Respondeu-lhe, então:
- Depois de te ver, os meus olhos já não estão cegos para a luz.
A minha alma recorda-se, agora, da ternura.
Hoje é o meu aniversário e tu és o melhor presente que recebi.
A menina sorriu ainda mais e disse-lhe:
- Quando for grande e tiver muito dinheiro, ofereço-te um presente a sério!
O homem velho e cansado encolheu os ombros e, sem jeito, entreabriu os
lábios esboçando um tímido sorriso.
Os melhores presentes eram as pessoas. Existiam poucas na sua vida, o que,
no seu caso, significava muitas. Isso sabia ele.
A menina segurou-lhe a mão e caminhou a seu lado ao longo da pequena rua.
Quando o homem velho e cansado entrou em casa, reparou que tinha girassóis sobre a mesa.
Celeste de Almeida Gonçalves
"Menina com Pomba", Pablo Picasso, 1901
A Paz
A paz é uma flor,
cada pétala com sua cor.
A paz é uma mesa,
cada fruto com seu sabor.
A paz é uma casa,
de cada janela, sua paisagem.
A paz não é uma miragem.
É uma escola,
cada criança, um livro na mão.
É um jardim,
onde se ouve a canção.
É o chão onde roda um pião.
É o murmúrio do rio,
a serra beijando o luar,
um pássaro voando sobre o mar.
A paz é o lar do coração.
Semeia as árvores dos dias que virão.
É uma pomba que habita
entre o campo e a cidade.
A paz não tem idade.
E também se chama dignidade.
Celeste Almeida Gonçalves
https://news.un.org/pt/tags/dia-internacional-da-paz
https://br.guiainfantil.com/cultura/207-dias-e-feriados/433-dia-internacional-da-paz.html
https://eurocid.mne.gov.pt/eventos/dia-internacional-da-paz
https://unric.org/pt/dia-internacional-da-paz/
O dia 15 de setembro assinala o Dia Internacional da Democracia.
A palavra democracia tem origem grega. Demos significa “povo” e cracia quer dizer “poder”.
Se juntarmos as duas partes, percebemos que democracia significa “Poder do
Povo”.
A democracia
tem o seu alicerce no pensamento crítico dos cidadãos. Ela
é um direito, pois abriga a proteção
e a realização dos valores e direitos fundamentais do ser humano, mas também é
uma responsabilidade de todos. A liberdade de cada um de nós reside na possibilidade
de escolha. Para
escolher, o que quer que seja, é preciso pensar. Assim, em
democracia, somos responsáveis pelas nossas escolhas e atitudes, bem como pelas
consequências das mesmas, sejam elas boas ou más.
Notemos: A democracia
garante a liberdade de escolher como deve ser o Mundo em que vivemos e o que
podemos fazer, pacificamente, para partilhá-lo com os outros. Ela deve
centrar-se nas pessoas.
Só conseguimos
realizar os grandes anseios da democracia, através da participação de todos nas tomadas de
decisão.
Ora, para tal, enquanto comunidade, não podemos esquecer as seguintes exigências :
Celeste Almeida Gonçalves
Links relacionados:
https://www.un.org/es/observances/democracy-day
https://eurocid.mne.gov.pt/eventos/dia-internacional-da-democracia-2021
https://plenarinho.leg.br/index.php/2018/09/viva-a-democracia/
Certo
dia, a turma do Manuel recebe uns visitantes muito especiais.
Surpreendidos
e entusiasmados, meninos e meninas vivem momentos inesquecíveis, e escutam palavras
poderosas, que guardarão como um tesouro dentro de si.
Partindo do texto da Declaração Universal dos Direitos da Criança e da Convenção Sobre os Direitos da Criança, este livro convida-te à descoberta dos teus direitos, contribuindo para a divulgação, debate e reflexão sobre os mesmos.
Aguarda-te uma leitura emocionante de um livro repleto de maravilhosas ilustrações.
Conhecer
os teus direitos será um verdadeiro prazer!
Vamos ler?
Celeste Almeida Gonçalves
Esta flor recebia diariamente a visita de um menino mágico que tinha grande apreço e admiração por ela.
Certo dia, depois das palavras elogiosas do menino, a flor, que era um girassol, sentiu um profundo desejo de voar. A sua ânsia de conhecer o mundo para lá do jardim que habitava, de descobrir outros lugares e de viver novas experiências, tornou-se de tal forma intensa que não hesitou em partilhá-la com os seus companheiros.
Foi então que o amigo gato aconselhou este girassol a contar ao menino mágico o seu sonho de voar.
Por vezes é preciso magia para que os sonhos aconteçam. O menino mágico compreendeu as razões da grande flor, e concedeu-lhe o poder de voar. Mas a magia não basta. O girassol teve de fazer o seu esforço e empenhar-se para realizar a grande proeza de voar. Coragem e determinação não lhe faltaram. E todos os habitantes do jardim lhe deram ânimo para concretizar o seu sonho.
O que a seguir se passou foi uma verdadeira e espantosa aventura!
Vamos ler?
Celeste Almeida Gonçalves
Gostas de aventura e emoção? "A Oliveira Mágica" desafia a tua imaginação!
Francisco
vive numa grande cidade, na companhia dos seus pais.
Até
que um dia tudo muda. Francisco vai ter de deixar a sua escola, o professor
José e os amigos, partindo com a família rumo a uma nova vida.
É
na quinta do avô Daniel que conhece a amiga Mariana e vai descobrir um novo
mundo, pleno de aventuras e revelações. Francisco viverá toda a beleza e força
da natureza e a oliveira mágica transportá-lo-à para uma dimensão fantástica,
cheia de emoções.
Um
casebre cheio de mistério…um hipotético dragão…interrogações sobre as intrigantes
e fascinantes coisas da vida…e a surpreendente natureza!
Este é um livro onde encontras sentimentos como o amor e a amizade, bem como valores como a solidariedade, o respeito pelos outros, por ti próprio e pela natureza.
Vamos ler?
Celeste Almeida Gonçalves
«Certo dia, uma vizinha veio visitar o avô e trouxe a neta. Mariana era uma miúda da sua idade e, por isso, logo trataram de se conhecer. Francisco simpatizou com ela. Não era manienta e até alinhava nas suas conversas e brincadeiras.
Às vezes, ficavam sentados junto da oliveira e falavam de coisas intrigantes e misteriosas. Era assim que gostava de lhes chamar: «coisas intrigantes e misteriosas». Fazer perguntas e procurar respostas era uma espécie de jogo de que ambos gostavam. Ao princípio, Mariana ficava um pouco desconcertada com as perguntas de Francisco, mas, passado algum tempo, também ela contribuía com interrogações sobre as tais coisas intrigantes e misteriosas. A vida, a morte, o trabalho, a felicidade, os outros, a Natureza, o pensamento e muitos mais assuntos eram, para os dois meninos, motivo de inúmeras questões, para as quais procuravam respostas.
«Porque é que vivemos? O que é ser feliz? Porque precisamos de trabalhar? Podemos viver uns sem os outros? Seríamos os mesmos sem a existência dos outros? É possível entender tudo? Se alguém entendesse tudo, continuaria a pensar? O que é pensar?»
Francisco e Mariana entregavam-se a estas e a outras infindáveis perguntas, descobrindo assim o prazer de questionar o mundo.
Durante estes diálogos, o Cusco assistia serenamente ao entrelaçar de palavras, deitado com o focinho entre as patas e seguindo fixamente cada movimento.
A grande oliveira parecia compreender a conversa dos dois meninos, abanando suavemente os seus ramos a cada ideia e produzindo um sussurro de brisa com o respirar brando, naqueles dias quentes de verão. A sua sombra e frescura tornavam-na cada vez mais majestosa aos olhos de Francisco.»
In "A Oliveira Mágica"
Celeste Almeida Gonçalves
Confesso-vos que nunca compreendi a
intransigência do meu pai quando este afirmava, sem qualquer lampejo de
hesitação, que não queria ter um animal de estimação. Depois, invocava uma
série de razões, todas muito válidas, mas sem qualquer préstimo para o meu profundo
desejo de ter um cão. Tudo se resumia a isto: Não tínhamos vida para cuidar de
um animal doméstico. Um cão, no caso do meu insistente pedido, seria uma fonte
de problemas, tanto mais que éramos uma família de seis. O carro já era pequeno
para nós, quanto mais para albergar um peludo, sobretudo durante as viagens que
fazíamos com frequência, até à casa dos meus avós, a mais de duzentos quilómetros
de distância. Uma prisão! Era assim que o meu pai via a existência de um cão, entre
nós.
Durante alguns anos, foram infrutíferas as tentativas para o convencer. A mãe, mais flexível, sorria complacente, como que dizendo, que sim, mas o pai, esse, permanecia irredutível.
Lembro-me bem do dia em que ao sair da escola, me deparei com uma ninhada de lindos cachorrinhos, no jardim de um colega. Eram tão lindos, que hoje, à distância do tempo, ainda sinto o coração a palpitar e a derreter-se de ternura e ansiedade perante aqueles seres tão cativantes. Os meus olhos a brilhar de admiração e a tentação a vencer o possível ralhete do pai e as advertências da mãe. Vai daí e, perante a oferta do meu amigo, não resisti e coloquei o cãozinho dentro da mochila, no meio dos livros e cadernos.
Lá fui para casa e, acreditem, levava
o mundo na minha mochila. Um mundo precioso.
Ao cimo da rua avisto a minha mãe no
jardim e apresso o passo, sem saber muito bem como descalçar aquela bota. Mas
como quem não arrisca, não petisca, avancei ligeiro, rua abaixo, com os olhos a
fugir para o impossível e a mochila a estrebuchar por todo o lado.
- Olá, boa tarde também para ti! Porquê toda essa pressa? – disse a mãe, apercebendo-se da estranheza da situação.
As mães têm sempre poderes de
adivinhação.
- Boa tarde, mãe! Vou para o meu quarto, tenho muitos trabalhos de casa para fazer.
E eu convencido de que iria conseguir
manter o cachorro incógnito, num esconderijo, primeiro no quarto, depois logo
se veria. O que interessava, era introduzi-lo em casa, preparar o terreno e,
depois do facto consumado…enfim…tão lindo, talvez os pais se deixassem cativar,
também.
- Espera aí, filho! O que tens na tua
mochila? Vá, mostra lá! Parece que está viva!
Apanhado em flagrante delito, abri
a mochila, derrotado no meu intento de ter um cão. A mãe abriu os olhos como
eu nunca vira, pegou no cachorro e ergueu-o bem alto, entre um belo sorriso e
um contrair de lábios. Depois, veio o esperado discurso.
- Eu sei que queres ter um animal
de estimação, mas este é muito pequeno, ainda precisa dos cuidados da mãe e tem
dono. Não podemos ficar com ele. Além de tudo isso, o pai não ia aceitar. Um dia,
quem sabe, talvez tenhamos um cão. E pensa que, quando fores adulto, talvez
possas ter o animal que tanto desejas.
Ser adulto era tão longe. Tão longe, que
me entristeceu ser ainda criança. Quanto tempo faltará para ser adulto?
Perguntava a mim próprio. - Uma eternidade - respondia eu, num exercício muito
comum, naquela altura, que era o de fazer perguntas incómodas e encontrar, quase sempre, respostas perturbadoras . Eu era um garoto de sete anos para quem a vida já começava a revelar o seu lado problemático e, até, misterioso.
Cabisbaixo e triste, fui devolver o
cachorrito à ninhada, desta vez, já não na mochila, mas ao colo. Prolonguei
aqueles minutos, o mais que pude. Enquanto o tinha ao colo era meu, o cãozinho,
tão pequenino e vivaço, parecia já querer brincar, com os olhitos muito pretos
fincados nos meus.
Passaram vários anos sem que o desejo de
ter um cão se concretizasse. Cá dentro sentia uma pequena mágoa e, só a Mitzi,
a cadela dos meus avós ia ajudando a suportar a ausência de um patudo
espevitado. Mas convenhamos, não era a mesma coisa. Tratava-se de uma cadela muito
mimada, de porte altivo, sempre junto do meu avô, enroscada nas mantas e
disputando os sofás com todos lá em casa, para desespero da minha avó. Estão a imaginar um dogue alemão azul, a competir por um sofá? Fazia-o com tal mestria que era
digno de se ver. Gostava de se deitar ao comprido, a toleirona e tinha um
jeitinho especial para ser a primeira a chegar ou, então, começar por sentar-se,
para depois, sorrateiramente, ir empurrando os obstáculos com o seu pesado
corpo. Os obstáculos éramos nós, pessoas, está claro.
Quando tal acontecia, e era muito
frequente, o meu pai abanava a cabeça e revirava os olhos, desaprovando aquele
atrevimento consentido. Por estas ocasiões jorravam conversas
sobre cães e de como educá-los. Que o dono é que mandava, que tinham de sentir
a sua autoridade, enfim, muita prosa para pouco efeito, sobretudo nos meus avós
que viam na cadela uma espécie de pessoa. A verdade é que era uma
grande companhia para o meu avô e uma carga de trabalhos para a minha avó que, nem por isso, gostava menos dela.
Quando vinham à quinta, a Mitzi viajava
no banco de trás da carrinha. Ficava eufórica quando via todo aquele espaço a
perder de vista, convidando-a para correr. Era cadela de cidade, não conhecia a
liberdade do campo, a não ser, quando os meus avós vinham à apanha da azeitona ou à vindima. E
que tentação era banhar-se na água da charca, sempre a chamar por ela. Mas, qual
quê! Nem pensar. Estava proibida de aventurar-se campo fora e muito menos na charca, pois podia afogar-se. – Aqui, Mitzi! – chamava o avô, estendendo uma manta no chão, onde
ela prontamente se deitava.
A minha avó cozinhava arroz carolino com frango sem pele, temperado com azeite virgem e alho, bem saboroso por sinal, disse-o
o meu irmão mais novo que, certo dia, estando com fome se dirigiu ao fogão e não
resistiu a comê-lo, sem saber que era o arroz da cadela.
Estava tudo explicado. Para os meus avós, a Mitzi não era bem uma cadela. Era um ser que fazia parte das suas vidas, uma amiga de quatro patas, que além de afeto e alegrias, os ocupava com mil e uma preocupações e cuidados.
Nove anos depois da sua chegada, como presente oferecido pelo meu tio, a Mitzi partiu.Teve direito a todos os cuidados de
saúde, até fechar os olhos para a vida, já muito velhinha.
Nesse ano, pelo Natal, o meu avô surpreendeu
todos, quando tirou do bolso um papel e, um pouco trémulo pela comoção, leu um
poema que se intitulava “Mitzi”.
Fez-se um silêncio estranho e embaraçoso, na sala. Depois de o ler afastou-se, com os olhos lacrimejados, guardando o papel no bolso, como se de algo sagrado se tratasse.
Creio que, naquele momento, todos percebemos que certos animais nunca vão embora.
Próximo capítulo: "O encontro inesperado"
Celeste Almeida Gonçalves
Ilustração de Cristina Malaquias
Já não é primavera.
Deixou-nos e viajou
mascarada.
Esteve um ano, dois anos,
mascarada. É tanto tempo! Penso que ficou magoada.
Um dia, contarás
que a primavera se cansou de não lhe vermos o sorriso.
E que apesar disso,
Saltou à corda nos
jardins.
Brincou com
barquinhos de papel nos lagos.
Beijou a lua nas
noites felizes.
Sonhou e
enamorou-se do sol.
Sonhou e
enamorou-se do mar.
Deixou-se abraçar
pela chuva.
Deitou-se nos
campos de flores.
Perfumou os dias
cinzentos.
Florida, aqueceu
corações.
Dourou o olhar e
chamou todas as cores.
Mas alguém lhe viu
o sorriso?
E tu dirás que chorou todas as dores.
Mas quando regressar, a
bela primavera não virá mascarada.
Virá colorida e não
ferida.
E tu sorrirás com
ela.
Celeste Almeida Gonçalves
" D e Moçambique, com amor" (Direitos reservados) A minha passagem por África – “passagem” será um termo desajustad...